Nos dias de hoje, Dianópolis, minha primeira terra natal e Goiânia, minha segunda terra mãe por adoção desde os 18 anos de idade, que mesclam meus sentimentos de goiano e depois tocantinense e que me permitem analisar essa mistura de pessoas e raças, a exemplo de inúmeras outras cidades desses dois Estados, muitos originários de outras unidades da federação e até de países diversos, com costumes diferentes, na sua grande maioria não sabe o significado do termo “chuva do caju”, mesmo porque em nome da ganância material se esquecem de analisar os verdadeiros valores que nos cercam.
Esse maravilhoso fenômeno natural que aliado às palavras um tanto poéticas e sonhadoras, cheias de recordações da infância, talvez possa esclarecê-lo dessa forma: No mês de setembro, que já se aproxima e ocorre o início da primavera, quando a natureza já preparou para nos presentear com as primeiras chuvas e a terra árida e ferida pelo sol causticante aguarda o milagre do líquido cicatrizante das águas.
Quando as árvores dos quintais e dos campos se angustiam à espera de madrugadas acompanhadas daquela chuva fininha e dormideira, na expectativa de eclodir em vidas em forma de flores e frutos.
Quando os campos, cerrados e vales irão eclodir em novas vidas e as manhãs e tardes se fazem nubladas, enfumaçadas e mais quentes, duvido que exista alguma pessoa, principalmente nascida no interior deste nosso maravilhoso Brasil, em especial no centro-norte, onde temos a obrigação de conhecer os mistérios da natureza, ou pelo menos apreciá-los, que não se deixe embalar pelo momento mágico da primeira chuva, aquela que chega antes da nova estação e não passe a recordar o tempo de criança, quando aprendemos tratar-se da chuva do caju, pois vem para molhar e irrigar as minúsculas flores, em especial as dos cajueiros do campo que em breve serão frutos.
Duvido que não se lembre da época em que os números tinham valor apenas para as quatro operações matemáticas, sem disputas materiais, servindo tão somente para contar emoções e marcar o tempo sem compromissos. Duvido que não se lembre dos quintais que não conheciam cercas elétricas e suas divisas eram apenas a amizade e o respeito pelos vizinhos; das incontáveis mangueiras, laranjeiras, videiras e amoreiras, todos floridos e que a cada ventania transformavam o chão em tapetes divinos; do caju temporão e da manga verde com sal; quem não se lembre das noites quentes, quando muitas pessoas sentavam-se à porta de casa para estreitarem amizades e ouvir o serviço de alto falante da cidade, através do qual alguém sempre oferecia música para outro alguém; duvido que não se lembre das brincadeiras de esconde-esconde, salva companheiro, pular cordas, salto de distância, das disputas dos jogos de finca, pião e bola de gude à sombra de grandes árvores; dos banhos escondidos dos pais nos córregos e rios dos arredores da cidade; que não se lembre das roças queimadas pelos ingênuos agricultores, provocando grande fumaça e calcinando a terra; das melancias subtraídas de pequenas plantações; das arapucas, alçapões e caçadas de juritis e inhambus em fins de tarde; que não se lembre da sirene instalada em ponto estratégico anunciando os horários das aulas, das refeições e do descanso diário para toda cidade; que não se lembre das badaladas do sino da igrejinha anunciado a “Hora do Ângelus”, quando nos era oferecido um momento especial para um encontro especial e espiritual com Deus; Enfim, que não se lembre do lar antigo em rua tão simples, que ficou para trás com os pais, irmãos e amigos.
E neste momento tão especial, ouso transcrever um poema intitulado “Primeiras Chuvas”, inserido no meu livro Poemas Azuis: …e esse rito pré-nupcial da terra / Adolescente em amor / Das primeiras chuvas a espera?/Envolvendo-se num véu de fumaça sufocante / Abafando o sol, escondendo a lua / Num ciúme de cio a terra se aquece. E o ritual continua…/ Trovões, raios… / Como na última primavera./A terra se prepara para o ato final. / O líquido frio desce / Em suas entranhas penetra…/ A terra saciada,/Com cheiro bom de fêmea fecundada/ Outra primavera aguarda / Que trará novas chuvas / E repetirão o ritual sagrado.
E surpreendo-me, novamente, tentando decifrar esse grande apego aos símbolos da infância aliados à chuva do caju e às primeiras chuvas, essa ligação tão íntima com a natureza, esse amor tão intenso pela terra e encontro apenas uma plausível explicação no preceito de que nossa matéria é pó e em pó haverá de se tornar.
“Quem tem ouvidos que ouça, quem tem olhos que veja!”
José Cândido Póvoa – Poeta, escritor e advogado. Membro fundador e titular da cadeira nº 12 da Academia de Letras de Dianópolis(Go/To), sua terra natal.