Quando no último sábado tivemos, minha esposa e eu, a honra e satisfação de recebermos em nossa casa a visita de alguns primos e amigos de infância, visita capitaneada pelo estimado Francisco Liberato Póvoa, o intelectual mor da família no que se refere à música, pois além de professor e graduado na área, é capaz de executar qualquer música em qualquer instrumento, há décadas residente e, portanto, adotado por Belo Horizonte, a bela Capital das Minas Gerais, quando se fazia acompanhar do seu irmão, o escritor José Liberato e dos primos Goiás Aires e sua esposa Ana Regina, também nossos primos e no entretenimento da boa conversa e lembranças de tempos vividos em nossa querida e inesquecível terra natal, Dianópolis (GO/TO), determinada tela, fixada na parede da sala, chamou a atenção de todos, em vista do que ela retrata e satisfazendo a curiosidade de todos, passei a expor a origem daquela pintura e como foi parar onde se encontra hoje: Por acaso, numa sexta-feira em Goiânia, visitando uma galeria de artes, deparo-me com uma tela que retratava a fazenda que foi de propriedade do meu pai, onde passei muitos e inesquecíveis dias da minha infância, juntamente com meus irmãos. Pelo menos foi a primeira impressão que aquela pintura despertou em mim.
O artista cumpria uma das finalidades da sua existência: provocar e resgatar os sentimentos abstratos, procurando trazê-los para o mundo real através dos seus pincéis.
Paixão por aquele quadro à primeira vista, também, afinal ele resgatava uma imagem que só eu tenho guardada na memória e que me é transmitida sempre ao coração. Esforço não faltou para adquirir aquele trabalho. Em vão. Já havia sido vendido por outra pessoa. Aguardava tão somente o pagamento para ser levado por alguém que talvez tenha visto naquela pintura algo semelhante ao que vi (existem pessoas que vêm o mesmo que a gente. É raro, mas existem. Até no amor é assim.)
Meu coração insistia em cobrar-me aquela pintura. No domingo, resolvi passar pelo mesmo local, apenas por desencargo de consciência e apaziguar a alma, que no burburinho da cidade grande, sentia saudades da infância feliz, vivida numa pequena cidade do interior e sendo muitos daqueles dias, na fazenda Prazeres, a mesma que ao meu ver estava reproduzida no colorido das tintas. Surpresa imensa quando constatei que lá ainda estava a tela. Tive dúvida se tratava do vidro embaçado ou meu sentido da visão que estava apurado demais (quando as emoções comandam os olhos, às vezes vemos imagens que não existem. Assim…como uma miragem.)
Desembaçando os olhos e o vidro da porta, constatei que era verdade: lá estava a tela inteirinha, provocando e resgatando meus sentimentos. Daí à sua aquisição, foi questão de horas. Na segunda-feira, minha esposa e meus filhos, sabedores de meu interesse, a trouxeram para minha casa e me ofereceram como presente de aniversário, que estava próximo. E hoje, longe da minha terra natal, passo horas mirando a fazenda da minha meninice, para a tela transportada.
Ali passo o tempo mergulhando em seus riachos, colhendo cajus, puçás, buritis, marmeladas, limas, bananas, muricis e outras frutas do cerrado; aprecio as suas areias brancas em noites de lua cheia; ordenho as vacas e admiro belas serras que a cercam; aqueço-me ao pé do velho fogão a lenha nas noites mais frias. Afinal, tenho os dias da minha infância, vividos na fazenda do meu pai, ao meu dispor e retratados numa tela produzida por um artista plástico que nunca a viu, mas que captou o lugar aonde fui muito feliz. Ele, o artista, cumpriu o seu papel e eu tento cumprir o meu: não me afastar dos valores aprendidos no seio da família. A tela, por sua vez, cumpre o seu: diuturnamente oferece-me tudo que quero em relação à fase mais doce da minha existência. E vou dependurando no mural da memória os fatos e as fotos
de tudo que vivi na minha humilde terra natal. Essa é a regra de quase todos que acreditam nos sonhos e no amanhã. Sou assim. Nasci dessa forma e quero continuar desse jeito.
(José Cândido Póvoa, poeta, escritor e advogado,